domingo, 22 de abril de 2012

teste

Alianças são subjetivas nos Jogos Vorazes. Você se alia a uma pessoa -- ou a um grupo de pessoas -- que acredita, irá lhe favorecer de algum modo. O problema é que todos tem consciência de que apenas um pode vencer, o que significa que uma hora ou outra essa aliança terá de desfazer-se, e na pior das hipóteses, você terá de matar seu aliado. Eu, particularmente, não acreditava em alianças; durante os anos em que acompanhei o reality show pela TV, não levava a sério os tributos que as firmavam, principalmente porque quase sempre se tratava de tributos carreiristas, o que eu via como uma espécie de "gangue" que juntava-se para exterminar os demais. E não estava errada. O fato é que não tem porque você perder tempo se aliando com pessoas que mais tarde terá de matar. Não há motivos para se tornar [i]amiguinho[/i] do seu colega de distrito, quando é a vida dele ou a sua que esta em jogo. Bem, era exatamente isso que eu pensava, até me encontrar, de fato, nos Jogos, e encarar a situação como ela realmente é.

Eu não tinha nenhum aliado, ou ao menos não o via dessa forma. Parecia tão [i]errado[/i]. Ele era muito mais que um simples aliado para mim. Engraçado como as coisas estavam acontecendo agora; eu havia dito a mesma coisa na entrevista logo que havia chegado na Capital. Mas lá, em frente a Solanio Cymbeline, as coisas não eram como agora. Lá não era verdadeiro, era apenas uma atuação pouco convincente para garantir patrocinadores. Agora, eu estava apaixonada pelo aliado em questão, mas ele jamais saberia disso. Primeiro porque estávamos sujeitos a morrer a qualquer momento; segundo, porque eu não sabia como fazer essa declaração. Ele nem sequer acreditaria que as palavras eram verdadeiras enquanto estivéssemos dentro da arena, ele sempre pensaria que se trata de uma encenação; e por último, mas não menos importante, porque eu sabia que não era recíproco, e eu não iria me humilhar em frente a toda Panem. Meu maior medo, porém, era que não tivesse a oportunidade de ver seu rosto mais uma vez, ou pior: que o visse estampado no céu durante a noite junto com outros tributos mortos. Mas meu medo provou-se desnecessário.

Tudo começou com minha tentativa inútil de golpear o adversário que se aproximava. Meu corpo enfraquecido pela queda não foi capaz de realizar o movimento com a força e a agilidade necessárias para derrubá-lo antes que ele previsse o ataque. Com um salto, ele desvia-se facilmente de meu golpe, fazendo com que eu perca a única chance de acertá-lo antes que ele próprio me acertasse. O esforço fez com que eu ficasse ainda mais cansada, faltavam-me forças para sair do lago, ou sequer voltar para ele e nadar. Eu apenas esperei pelo momento em que o tributo acabaria com a minha vida; ele podia me espancar até a morte, ou usar alguma arma que carregasse consigo. Na verdade eu não sabia dizer se ele tinha, pois nem seu rosto eu havia encarado de frente ainda. Cerro meus olhos na esperança de assim não sentir o golpe. Ouço um baque, mas não sinto a dor. Onde ela estava? Talvez eu já estivesse morta, e aquela teoria sobre não sentir dor após a morte estivesse certa. Mas eu não sentia como se tivesse sido retirada do próprio corpo ou qualquer coisa do tipo; tudo permanecia igual.

Arrisco abrir os olhos, e o que vejo é o mesmo verde da arena; eu ainda estava em Panem. E melhor, eu ainda estava viva. O corpo do tributo que tentava se aproximar estava estirado ao chão. Uma poça de sangue começava a se formar nos locais onde as flechas haviam o acertado; uma no pescoço e outra nas costas, para ser mais exata. O horror não veio por causa da cena -- a essa altura eu já me acostumara ao sangue --, mas pela constatação de que eu era o próximo alvo do arqueiro. Viro-me para encarar meu adversário. Diferente de antes, eu tinha que tentar alguma coisa agora. Não seria uma morte digna se eu nem ao menos lutasse. Porém, não é um inimigo que meus olhos encontram.

Num jogo onde você espera pela morte a todo momento, olhar para Ephiol era como estar finalmente segura. Todas as preocupações sobre ele estar morto, todo o medo de não vê-lo novamente, todas as mortes e armadilhas ao nosso entorno, tudo... [i]sumiu[/i]. Eu não estava mais na arena, eu estava em um mundo no qual havia espaço apenas para nós dois e sentimentos de paz, tranquilidade, felicidade, e por que não, amor. Meu corpo respondeu à sua presença, ignorando as dores da queda ou de qualquer outro ferimento que os jogos pudessem ter provocado, levantando-se do leito do rio para lançar-se nos braços de Ephiol. - Você esta vivo. - eu disse para me certificar de que era verdade. - Pensei que já tivesse lhe perdido. Lágrimas brotavam de meus olhos, lágrimas que eu enxugava na camisa do tributo. Eu esperava que ele me envolvesse em seus braços, porque era isso que os cidadãos da Capital esperavam, mas não era por eles que [i]eu[/i] o estava abraçando, nem por Madder Mezereon, nem por patrocinadores. Era única e exclusivamente por mim, porque eu ansiava por este momento desde que havíamos nos separado. Ephiol deixaria que eu o abraçasse pelo tempo que eu quisesse, pois sempre atuara melhor que eu desde que o falso romance começou. Quando nada se sente em relação ao outro, as coisas são bem mais fáceis de se fazer. Se eu de fato o amasse no dia da entrevista, talvez jamais tivesse dito aquilo para que todo o país ouvisse.

O abraço durou menos do que eu desejava; a voz de Titus Snow me trazendo de volta para a realidade. A intromissão do Chefe dos Idealizadores era algo incomum, que se dava apenas em caso de um banquete ou alteração das regras do jogo. No primeiro caso, os tributos eram convidados a se reunirem em um determinado local -- quase sempre próximo à Cornucópia --, para que buscassem itens que estivessem precisando. O problema era que banquetes eram uma ótima oportunidade para matar oponentes, então, quando eu falo em banquete, não significa uma mesa coberta de pratos deliciosos nem nada do tipo, mas sim, outro banho de sangue, semelhante ao da Cornucópia, porém com menor número de mortos. Já no segundo caso, seria algo bem extraordinário, que pudesse vir a dar mais emoção ao jogo; algo que refletisse o desejo dos cidadãos da Capital, mas esse tipo de coisa raramente acontecia.

[b]- Saudações, tributos! Meus parabéns por terem sobrevivido até esta etapa do jogo.[/b] - disse ele, como se isso fosse um grande feito. Qualquer um dos que ainda estavam vivos com certeza haviam matado para chegar até aqui, direta ou indiretamente. Quantas pessoas eu havia machucado para permanecer viva? [b]- A noite vai cair e apenas um lugar estará seguro. Dirijam-se para o lugar onde o jogo começou, pois apenas lá poderão sobreviver.[/b] Eu até mesmo era capaz de imaginar a boca de Titus se contorcendo em um sorriso diabólico, seus olhos refletindo o delírio sádico dos cidadãos da Capital. Eles queriam mais mortes, e para isso, tinham de nos colocar juntos em um só lugar. [b]- Isto é, ao menos um de vocês terá que sobreviver. Boa sorte![/b] "Vá pro inferno", eu queria responder, mas minha cabeça seria explodida em menos de cinco segundos.

Assim que a voz silenciou-se, a paisagem começou a mudar de repente. O sol descia em uma velocidade anormal, indicando que a noite se aproximaria em breve. O som de um tiro de canhão ecoou pelo ar, sinalizando a morte de mais um tributo, que eu sabia se tratar do que estava no chão, próximo a nós. O aerodeslizador já devia estar a caminho para buscar o novo corpo, por isso tínhamos de sair dali antes que a nave se aproximasse. Mas não foi apenas esse fator que fez com que eu apressasse nossa fuga dali. Bolhas surgiram do nada, aparentemente belas e inofensivas. Até que tocassem algo. Um arbusto começou a queimar imediatamente no momento em que uma bolha estourou sobre ele, e elas estavam em todo o lugar, e onde tocavam, ateavam fogo. Em breve estaríamos rodeados pelas labaredas; isso era apenas mais uma brincadeira dos Idealizadores.

Segundo Titus, o único lugar seguro era [i]onde o jogo havia começado[/i], o que significava que tínhamos de voltar para a Cornucópia. Mas como, se eu mesma havia presenciado sua queda? Aliás, ela não me trazia boas lembranças, voltar lá era a última coisa que eu desejaria. - Temos que sair daqui agora, Ephiol. - eu disse para o meu parceiro de distrito. Não sabia quem encontraríamos no local onde outrora fora a Cornucópia; a única coisa que eu sabia era que tinha que protegê-lo. A vida dele era mais importante que a minha. [i]Oh.[/i] Isso não soava como Morgana Von Leibniz. Definitivamente.

As bolhas começaram a queimar mais rápido, e logo, havia apenas um lugar para o qual correr. Por ter andado por tanto tempo dentro das cavernas de um lado para o outro, eu não sabia dizer para que direção ficava a Cornucópia, mas eu poderia apostar o meu braço que aquele caminho nos levava diretamente para o começo de tudo e foi exatamente para lá que eu me dirigi, puxando Ephiol pelo braço como se ele fosse um garotinho de três anos.